sábado, 16 de julho de 2011

O menino que sumiu de vista

Conto selecioando para integrar a antologia Contos de Inverno da CBJE do rio de Janeiro

Quando eu fui criança sonhava em ser maquinista. O apito do trem cortando a noite escura exercia um mágico fascínio sobre mim. Acordava todas as noites com o trem assobiando longe, mas vibrante na escuridão. Amava a velha maria fumaça que cruzava a cidade e passava perto da escola em que eu estudava, várias quadras distante da minha casa. O trem contava histórias de lugares distantes que visitava, feito o avô que nunca tive, para me fazer dormir de noite.
Hoje, no lugar que não estou, posto que já não sou mais, quando eu ouço esse antigo avô resmungando sobre os seus trilhos, eu relembro quem eu fui no passado, sentindo uma vaga tristeza pelo que seria agora. Tristeza essa de quem não pode nem chorar, a pior forma de tristeza. Sonho muito com a nostalgia da pobreza e da bondade que caracterizavam o menino simples que já fui. Eu era possuidor da pureza que as crianças naquela época já não queriam mais. Essa ingenuidade era proveniente do fato de que até os nove anos eu fui criado sozinho. Minha mãe não permitia que eu saísse lá fora na rua.  Pouco importava, morava com meus pais na sede de uma firma de terraplenagem em que eles eram caseiros, tinha mesmo um quintal imenso para eu brincar. Quanto aos garotos da mesma idade já eram maliciosos e delinquentes.
Posso dizer que fui feliz com todos os dissabores que amarguei na infância. Pobre sim, mas me sentia rico porque sabia brincar, eu tocava meu velho pião no chão, pegava ele com a fieira e fazia com que ele continuasse girando, na palma da minha mão, diante do pasmo e da inveja das demais crianças no pátio da escola.
 Por que estou evocando as sombras do passado? Nem sei exatamente; todavia lembrando os fatos alegres que marcaram o que vivi, eu consigo enfrentar também a lembrança das dores. Como aquela provocada pelos meninos maiores que me surravam tanto e que, pior de tudo, me desmoralizavam perante minha turma. Ou o time de futebol que literalmente me chutava pra fora do campo o tempo todo, e não me deixava participar.
Dizendo as coisas desse jeito passo a impressão de que padeci muito, tendo motivos para me tornar um adulto amargurado. Nem sei se chegaria nesse ponto.
Por que sabe de uma coisa? Isso aí não representava nada e nada representa. Eu não estava lá esse tempo todo. Eu sumia enquanto meu corpo ficava lá inerte sem reagir. Nessas horas de aperto, a alma abandonava meu corpo lá pra que ele apanhasse sozinho dos caras maiores, levasse socos na boca e no estômago. Eu nem escutava as chacotas que eles faziam sobre minha mãe. Apanhava quieto, aéreo e encurralado. Isso acontecia com frequência.
Eu era apenas um menino mais quieto do que os demais. Inteligente, eu tentava prestar atenção nas aulas. Não me deixavam. Logo eu devia dar satisfação para os grandalhões da turma que se sentiam meus donos, me chutavam na saída, me insultavam de franga, de bixona e tudo mais. Sim, eu fervia feito carne vermelha numa panela de pressão.
Certa tarde um desses babacas, valente postado junto de sua gangue no pátio da escola, me disse que eu era a sua puta, me ergueu pelos meus ombros e queria me forçar a chupar seu pênis. Imprecava palavrões e xingamentos inacreditáveis, que eu nem acreditava estar ouvindo aquilo. “Chupa meu pinto imbecil, vem pegar nele, vem mulherzinha!...” Na hora não pensei em nada, não aguentei, reagi contra o desatinado frente a esses trogloditas. Meu melhor murro passou batido no ar, nem chegou perto dele e eu desequilibrado estatelei no chão, enquanto a gangue caía na gargalhada diante do frangote que nem sabia brigar. Nesse dia apanhei tanto, mas tanto... Então, eu não estava lá de repente, minha mente sumia de novo na sombra, sabe, como se tivesse sido abduzido, inconsciente igual naqueles filmes de ficção científica em que as naves alienígenas sequestram as pessoas para estudar a raça humana.
Quando voltei, minhas costelas doíam como se tivessem partidas no meio. Enfiei a mão no nariz e ela ficou tingida de sangue.  Tossia muito, me bateram tanto nas costas...
Não suportei mais. É muito estranho para mim tudo isso, não consigo entender até hoje o que me motivou de fato, se era angústia, a sensação de apanhar sozinho, de estar sozinho, o silêncio depois da surra, a mudez da minha vida, o desespero. Contudo eu havia enlouquecido mesmo, levantei do chão e logo queria abraçar aquele velho avô de quem eu tanto gostava. Ele abria seus braços para mim sobre os trilhos, vinha na minha direção fumando seu cachimbo barulhento, eu fiquei parado ali esperando sua chegada desde que levantei do chão, e só sei que depois disso eu não senti mais nada; a dor dos pontapés daqueles animais que eram meninos iguais a mim, a sua covardia gratuita, nada disso mais existia nem tinha importância. Eu não sentia mais nada de novo! Eu havia sumido mais uma vez.
Todavia, desde essa tarde que faz tempo, eu não consigo achar mais o caminho de volta.
Quando eu fui criança, sonhava em ser maquinista.

CONTOS DE INVERNO

Quero dividir com vocês meus amigos mais uma alegria. Meu conto O menino que sumiu de vista foi selecionado para a antologia Contos de Inverno pela editora CBJE a ser lançada em Stembro de 2011. Estou muito feliz.
Quem quiser ver mais:
http://www.camarabrasileira.com/contosdeinverno.htm
Abraços : )

domingo, 10 de julho de 2011

O AMOR

O amor é um paraíso imenso
em um país distante
da linha do horizonte
matizado por um arco-iris cambiante.

É um corcel alado
que vaga pelo infinito;
buscando um lar amado
o seu poder é bendito.

Flor que foi apanhada
na plaga, fértil, florida
cobiçada pelo límpido céu,
adorna o cabelo da mulher querida.

O amor é a razão de ser poeta,
motivo para um triste viver
semente que germinou – pequena.
Mas vai crescer, frutificar e florescer!

sábado, 9 de julho de 2011

PANEGÍRICO DA LOUCURA

Poesia que me deu o diploma de Neófito da Ordem no concurso literário Landa Lopes de Sorocaba.

Sejamos loucos,
mas loucos por opção!
Somos tão poucos
nós, os que perdemos a razão
pra continuar a viver
e não morrer na alma,
não há nada que acalma
essa nossa loucura.

A vida?
ela é uma prisão,
além disso não dura
mais que a triste ilusão.

FILOSOFIA


Eu sei segundo Platão
No meu baixo ventre o instinto
Coragem no meu coração
Sabedoria no meu cérebro.

Tudo isso a fluidez da alma
Que me põe em sintonia com o mundo
Alma represa de trauma não tem calma:
Alma – mala - lama!

Sabedoria – coragem – instinto
A hierarquia da alma anagrama
Tudo deve estar concatenado:
Sabedoria (alma) – coragem (mala) – instinto (lama)!

sonho

Essa noite eu tive um sonho
em que tudo se chamava p o e s i a.
O cantar das aves ao arrebol – e eu risonho
admirava o louvar do fim do dia.

O tempo passou nesse meu sonho...
no campo celeste a estrela D`alva já brilhava
Farfalhava a laranjeira um inseto bisonho,
não existia medo e a mim tudo encantava.

Por que passou divino sonho
deixando saudades no meu coração,
suscitando meu mais pulcro sentimento?

A alegria morre quando esvaece o sonho,
o que existe depois é só dor e solidão
pois foi sonho o que passou, um só momento.

O MEU LUGAR

Eu não morro nem vivo
Eu sonho!
Isolado na ilha de nome
Quimera!

Passo dias alegres aqui
Que lindo!
Sazonalmente a sondar
A primavera.

Descobri um lugar que é só meu
Sou tão feliz!
Amo as tardes, amo as aves, amo a Deus
E a esta terra.

VIVO SONHANDO


Vivo sonhando,
É tão bom sonhar!
Levo a vida procurando
O que não sei, mas vou encontrar.

A companhia da solidão não me desiste
E sozinho sigo então a caminhar;
Porém sei bem que o devaneio em mim persiste
E a felicidade um dia tem que me achar.

Vivo sonhando,
É tão bom sonhar!
Te fico buscando
Pra poder cantar.

Dizem por aí que sou um moço triste
É verdade e eu não vou contestar.
Que culpa tenho eu, o malgrado insiste
Tão tirano, prepotente, querendo me derrubar.

Vivo sonhando,
É tão bom sonhar!
Contudo vou chorando,
Como me animar?...

Vejo meus amigos encontrando
Aquilo que eu quero encontrar
Só que essa timidez me debelando
Sei que a nenhum lugar irei chegar.

Vivo sonhando,
É tão bom sonhar!
Com o medo cerceando
O que fazer pra realizar?

Gáudio é o objetivo truncado
Como agir para o engendrar?
Aquém da loquacidade fico envergonhado;
Minhas cartas de amor a quem confiar?


Vivo sonhando
Que bom é só sonhar...
E morrerei poetando...
Serei feliz, pode apostar.

SONHOS ESFUMAÇADOS

Irei dormir, a vida é sono
É um sonho estar acordado
O meu tormento? Este abandono
De quando eu ando despertado!

Os heróis em brando sono
Mirram na tumba ­­- sossegados!
Se este mundo tem um dono
Há muito tempo jaz cansado.

Irei dormir: já tenho sono.
Vou deitar no abandono
Os versos meus despedaçados.

O vinho tinto pede o sono
Inebria – é o meu dono
Trazendo sonhos esfumaçados.

A NAMORADA

Meu amor é o corisco
Despedido d`amplidão
É um raio fulminante
Que partiu o coração.

Meu amor no algor é estio,
no calor é hiemal
Vive de dicotomia,
também é eventual.

É uma obsessão
qual idéia deliberada
Não quer mais saber de nada
- só quer você por namorada.

Do meu amor tu és o dogma
por quem eu largo de tudo
Sem esse amor morro de acídia,
engulo o meu soluço mudo.

Meu coração se faz pequeno
pra encerrar tamanho amor
Ele então transborda n`alma
e vai se abrindo feito a flor!
Posso morrer de insolação
ou a desoras congeladas
Não preciso mais de nada
além de ti, a namorada.

No coração amor desenvolvendo,
vai desabrochando... qual a rosa
Acalenta ao corpo, sensível, sereno,
despertando a paixão tão generosa.

Meu amor é só momento
também é perpetuação
Ele já foi ressentimento.
Hoje entornou satisfação!

Ah... o tempo levou a inspiração
numa vazão desordenada
Fora o esto não sobrou mais nada
e eu só tenho você: a minha namorada!

sonhos esfumacados

sonhos esfumacados